Marcelo Hessei
O ano em que meus pais saíram de férias (2006) não teria esse título se não fosse um humor de mercado. Convenceram o diretor Cao Hamburger (Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme) de que Vida de Goleiro, o nome original, afastaria o público feminino. A mudança faz sentido, mas o anterior era melhor. Mesmo porque a metáfora futebolística aqui é preciosa.
Com doze anos de idade, Mauro (Michel Joelsas) já sabe que a
profissão de arqueiro é a mais solitária dentro de campo. A responsabilidade é
tremenda. Transcorre 1970, ano de Copa, e os pais de Mauro saem de férias. Esse
é o eufemismo para dizer que a ditadura forçou o casal a se esconder. O garoto
é deixado em São Paulo com o avô. O que os pais não esperavam é que o velho
falecesse de repente. Mauro está prestes a experimentar um pouco da
responsabilidade - e da solidão - de ser um goleiro nesse jogo da tenebrosa e
incerta época da repressão.
O bairro é o Bom Retiro, centro de comércio têxtil
paulistano de grande concentração judaica. Mauro acaba no apartamento de Shlomo
(Germano Haiut) e o primeiro contato dos dois não é dos melhores - mesmo porque
o garoto é um gói, um não-judeu. Ao choque cultural se soma o de gerações. E
Mauro não está interessado em interagir. Passa os dias ao lado do telefone,
aguardando um telefonema. Seu pai prometeu voltar a tempo do começo da Copa, e
Mauro guarda aí a sua esperança.
A melancolia que se segue é comum aos filmes nacionais que
tratam do período do regime, mas nenhum adere, como Hamburger, ao
ponto-de-vista de uma criança. A referência mais evidente é o cinema argentino:
Kamchatka (2002), em particular, também enxerga dilemas de adulto por olhos
inocentes. Justiça seja feita, no material de imprensa do filme a inspiração
portenha é admitida. Spielberg e Leone também são citados no release. Do
primeiro Hamburger herda o bom trato com elenco-mirim, contato esse depurado
pelos anos de direção do seriado Rá-Tim-Bum. Do segundo, tira menção a Era uma
vez na América, as ótimas sequências da espiadela pelo buraco da parede.

A essa porção mais leve, de descoberta, se sobrepõe a mais
grave, de contexto político. Há genialidade espontânea nas cenas que relembram
o espectador do clima civil de insegurança, sem que isso seja verbalizado. Uma
é quando Mauro sai à rua pela primeira vez com seus novos amigos, e é
surpreendido pelo avanço do cachorro. Outra é quando ele comemora sozinho um
gol - a câmera enfoca-o do lado de fora do apartamento, e com as janelas
fechadas vemos Mauro gritar, mas não ouvimos nada.
Triste pra caramba. E faz mulher, homem, fã ou não de
futebol, se comover.
Fonte: Omele
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