Simples e despojado, longa de Domingos de Oliveira dribla
problemas técnicos com diálogos deliciosos e um compêndio fascinante de ricas
experiências de vida
Por: Rodrigo Carreiro
De um ponto de vista exclusivamente formalista, fazer um
filme cuja ação dramática consiste em uma noite de bebedeira e conversas na
vida de três senhores entrando na faixa etária dos 70 anos parece um convite
para um dos programas cinematográficos mais chatos que se pode imaginar. No
território da sétima arte, contudo, as certezas vivem sendo continuamente
derrubadas e pisoteadas sem cerimônia. “Juventude” (Brasil, 2008), do veterano
diretor Domingos de Oliveira, comprova a máxima mais uma vez. Este é um filme
sobre memórias e afetos. Um filme encharcado de experiência humana verdadeira,
que celebra a vida. Em resumo, um filme cheio de tesão.
Não é preciso ser grande conhecedor de cinema para perceber
a influência de Woody Allen no tipo de filme predileto do diretor brasileiro:
cenas que consistem de longos diálogos, drama e humor mesclados
indistintamente, em que personagens masculinos gabam-se de conquistas
impressionantes e desfilam um rosário de inseguranças sexuais. Oliveira é o primeiro
a concordar com a semelhança. Assume-se como admirador incondicional do
norte-americano e afirma que a inspiração para “Juventude” veio dele mesmo. Nem
por isso o longa-metragem, todo filmado em digital e por isso feito com
orçamento mínimo, perde um milímetro de sua força. Pela simplicidade, pela
despretensão e pela força dramática, afirma-se como um dos lançamentos mais
interessantes de 2008 no Brasil.
A sinopse é mínima. Toda a ação dramática acontece no espaço
entre a tarde de um sábado e o nascer do sol de domingo. Nesse intervalo, três
grandes amigos de infância que já passaram dos 70 anos de idade se reúnem, na
casa de um deles, para se embriagar com álcool e com as memórias de uma vida
inteira. David (Paulo José), o anfitrião, é um homem rico e recebe os colegas,
conhecidos desde que interpretaram juntos uma peça na adolescência, na mansão
onde vive, em Petrópolis (RJ). Antônio (Domingos de Oliveira), um cineasta,
mora com uma garota de 20 anos, mas ainda lamenta a perda do grande amor da vida
dele para um norte-americano. E Ulisses (Aderbal Freire Filho), o garanhão da
turma, vive um momento singular, marcado pela relação conturbada com uma filha
viciada em drogas.
Em “Juventude”, existe experiência na frente e atrás da
tela. A direção de fotografia, por exemplo, foi entregue ao veteraníssimo Dib
Lufti, talvez o mais lendário fotógrafo de cinema do Brasil. Os atores, por sua
vez, atuam como se estivessem na cozinha de casa (vai ver estavam mesmo), com a
maior naturalidade possível, cada um respeitando o espaço do outro e inventando
tabelinhas de diálogos deliciosas, responsáveis por momentos vibrantes de
afeto: amizade, amor, ciúmes, dor, sofrimento. A relação de risos e lágrimas
que eles vivem carrega o DNA das grandes amizades, e é algo reconhecível por
todos nós. As horas que o trio divide na mansão funcionam como uma cápsula do
tempo, em que cada um ganha a oportunidade de fazer um balanço de sua vida –
todos os erros, todos os acertos – enquanto todos percebem que o passado ainda
insiste em se insinuar no presente, às vezes de maneiras insuspeitas.
“Juventude” é cinema imperfeito, do ponto de vista técnico.
A mise-en-scéne despojada pode dar a impressão de desleixo com a captação das
imagens. A luz é problemática, já que a textura opaca/brilhante das cores
captadas pela câmera digital deixa evidente a profundidade de foco quase
inexistente (algo agravado quando o filme é visto em projeção digital). Mas a
verdade é que nada disso importa. A qualidade dos diálogos, a força dos
personagen s e torrente de emoções que flui da tela, em fluxo contínuo,
constroem uma experiência fílmica rara. O cinema precisa de mais filmes assim.
Fonte: CineReporter
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